À medida que um escritor vai criando intimidade com seus leitores,
algumas questões surgem com naturalidade. São perguntas que ora beiram o
abismo do interesse filosófico e conceitual, ora margeiam o precipício
da mera curiosidade pessoal. Algumas chegam de mansinho, escondidas num
longo e-mail contendo elogios e considerações diversas. Outras são
aladas, chegam rápido no rast
ro de Mercúrio e são diretas e objetivas.
Não
posso furtar-me a responder a qualquer uma delas por um motivo muito
simples: sou eu o primeiro inquisidor que, atrevidamente, invade lares e
escritórios, ao alvorecer ou ao anoitecer, sem pedir licença,
apresentando ideias, convidando ao debate e instigando à reflexão.
Neste contexto, a pergunta mais recorrente tem sido: "Você é ou consegue ser assim como escreve?".
Perguntas e respostas
Escrevo
aquilo que penso sobre aquilo em que acredito. Fruto de muita leitura,
vivência e reflexão, escolho temas que me afligem a alma, pedindo espaço
para se manifestar, gritando pela liberdade e clamando por alternativas
e soluções. Manifesto meu ponto de vista e fico à espera de comentários
capazes de auxiliar-me a encontrar respostas. Tenho aprendido a fazer
as perguntas, talvez mais acertadamente. Porém quanto mais estudo,
quanto mais investigo, mais me sinto o próprio ponto de interrogação. E
desejo encontrar as respostas. Coletivamente.
Mas o que escrevo
não corresponde com exatidão a quem sou. É uma cópia melhorada, a
projeção de quem desejo ser. Ao escrever, assino contratos com o mundo e
comigo mesmo. Isso gera comprometimento. E comprometer-se com o que não
se pode realizar gera angústia que, por sua vez, conduz à tristeza.
Como não estou aqui para ser triste, não vou estreitar propositadamente
meus
caminhos para a felicidade. Desejo, pois, assumir o que se possa
cumprir. Melhor um resultado pequeno do que uma grande promessa.
Utopia
Fernando
Pessoa disse que "o poeta é um fingidor". Rubem Alves diz que "escreve o
que ele não é". E ambos asseguram que é melhor não conhecer
pessoalmente o autor, sendo mais seguro ficar com o texto.
Penso
diferente. Comecei a escrever como articulista, ou aquele que escreve
artículos. Transitei para a missão de cronista, versando sobre o
cotidiano. Quem se dá a este trabalho tem sempre alguma poesia dentro de
si. Aí haverá quem diga que poeta vive no mundo da lua, viajando pelo
planeta dos sonhos, na imaginária galáxia da utopia.
Pois digo
que toda utopia é uma realidade potencial. E se escrevo sobre o que
sonho é porque sonho com o que escrevo. E que pode se concretizar. E que
fica mais concreto quando se põe no papel e se compartilha com o mundo,
que passa a sonhar junto.
O que escrevo é melhor do que sou
hoje. É o que vou buscar. E quando melhor pessoa eu for amanhã, novos
escritos demandarão uma nova pessoa, ainda melhor, num processo que não
tem fim. Não sei onde foi o ponto de partida, e não me interessa qual a
estação de chegada. Bom mesmo é apreciar a paisagem durante a caminhada.
Observar os campos verdejantes e o orvalho na relva.
Sentir o brilho
cálido do sol e a brisa refrescante acariciando a face. Transpor as
pedras, as valas e as pontes quebradas ou inacabadas que surgem pelo
trajeto.
A vontade é muito grande de tentar varrer o assunto,
esgotar o inesgotável. Sempre faltará um verso, uma frase ou uma
assertiva qualquer, negligenciados que são pela memória. Sou vários num
só e aquele eu mais prático interpela o meu eu mais sonhador quando uma
lauda acaba.
Take home value
Há uma frase muito utilizada
entre os economistas: take home value, ou literalmente, "o valor que
levamos para casa". Esta é uma tese que merece atenção.
Quando
você sai de sua casa para uma reunião, uma palestra, um encontro ou
qualquer outra atividade, o que você tira de proveito deste evento que
lhe possibilita retornar ao lar melhor do que quando saiu? Quais lições
você extraiu dos momentos que dedicou ao referido acontecimento? E o que
você legou às pessoas que estavam em sua companhia para também fazê-las
melhores?
Madre Teresa alertava que não podemos permitir que
alguém se afaste de nossa presença sem sentir-se melhor e mais feliz. E
não podemos admitir o mesmo em relação a nós mesmos. Já Rimpoche dizia
que "o melhor que podemos fazer por uma pessoa é dar a ela a
oportunidade de nos oferecer o que tem de melhor".
É o que
procuro fazer a cada palavra. Elas não são escritas, mas desenhadas. Não
são digitadas, mas dedilhadas. Porque contêm carinho. Porque desejo
compartilhar até o que ainda não sou. Porque é como o pão que alimenta: o
melhor é sua partilha, sua divisão.
O mundo está repleto de
opiniões, umas mais assertivas do que as outras. Cada qual se preocupa
em denotar a força de sua própria argumentação. O que precisamos
verdadeiramente são de exemplos. Fazer, praticar, aplicar. Não se deve
mudar de opinião se não se pode mudar de conduta. Mas se mudar for
possível, faça-o por você, pelos que o cercam e pela utopia de um mundo
melhor para se viver.
Escrito por Tom Coelho
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